segunda-feira, 26 de março de 2012

Arte interactiva – visitas virtuais


Arte interactiva – visitas virtuais
Maria Pires
 
Publicado 03/06/2011
Iniciativas como o Google Art Project, ( http://www.googleartproject.com/c/faq), a proliferação dos Museus Digitais ou a Reprodução Fotográfica do Mundo (http://www.360cities.net/), propõem visitas virtuais e aderem ao conceito de “arte interactiva”e ou “visitas virtuais”; obrigam-nos a reflectir sobre o papel dos novos media na tentativa de cumprir um velho adágio “se Maomé não vai à montanha, a montanha vai (ou é levada!) a Maomé” e sobre a forma como a realidade se molda, expande, contrai ou deforma, neste percurso.

Tradicionalmente, os museus proibiam/proíbem fotografias ou filmes das obras expostas. No entanto é agora muito comum a sua participação em iniciativas e projectos virtuais de divulgação. Perguntamo-nos se será esse mesmo o principal objectivo destas mostras virtuais e interactivas – a “divulgação” massiva, acenando virtualmente com “a montanha a Maomé” como incentivo a que “Maomé procure fazer uma visita real à montanha”, ou seja ao museu ou ao local de paisagem natural fascinante? Simplesmente uma tentativa arrojada de resgatar a “aura” do original, isto é, procurar sobrepor-se às réplicas falsas ou de pouca qualidade “oficializando” de certa forma o estatuto artístico da “réplica”?

Voltemos aos exemplos citados e à reflexão proposta. A observação de detalhes que não são perceptíveis in loco e o paralelismo com a ideia de reprodução dos postais, remetem-nos para conceitos como a hipermediacia, imediacia e remediação, descritas por Jay David Bolter e Richard Grusin em “Remediation: Understanding New Media”.

No projecto do Google tanto nos é dada a ilusão de que estamos num local fictício e estamos a viajar dentro de um museu, como ao mesmo tempo essa ilusão é quebrada pela presença constante de menus que nos guiam e são essenciais à nossa navegação. Por outro lado, a todo o instante podemos carregar numa hiperligação e “olhar” ou “ver” com maior pormenor os quadros, de uma forma que não poderia ser feita in loco, o que evidência o facto de não estarmos realmente naquele local, mas sim num mundo virtual criado a partir do mundo real e físico do museu e que remedeia, através da sua forma de navegação, a visita a um museu.

No site “360Cities” podemos também ver, além de algumas das coisas já indicadas no projecto de arte do Google, um clara remediação das ideias dos postais que surgem no séc. XIX e dos micro filmes dos irmãos Lumière, onde, para lá de observar um local podemos também explora-lo, dentro das limitações que a composição da fotografia permitem, como também optar, ou tentar optar, por diferentes perspectivas dentro do mesmo local captado.
A decomposição dos objectos digitais modularmente, como descreve Lev Manovich em “The Language of New Media”, é uma constante destes projectos.

O processo da fotografia digital só é conseguido graças a essa “pixelização”, evidente até mesmo no título de algumas fotografias, como é o caso da maior fotografia de interiores com o título “Strahov Library 40 Gigapixels”. Mas também a montagem de um ambiente em 360º a partir da fotografia se faz a partir da montagem de várias fotografias tiradas no local e relacionando elementos comuns, dando-nos a ilusão de que nos deslocamos no local através das tomadas de perspectiva diferentes e montadas como um só.

Ao observarmos como o virtual tenta penetrar num espaço social e físico, tentando substitui-lo, é-nos proposta a reflexão sobre a substituição da arte pela réplica. Há aspectos fascinantes que nos são disponibilizadas através da réplica e aos quais não teríamos acesso numa visita presencial. Mas este é um dos factores chave que ajudam a proliferar esta prática que promove a cultura de massas, que se alimenta do rápido, fugaz, cómodo e desprovido da reflexão própria da relação que é suposto poder estabelecer-se entre a obra e o interlocutor; é o “aqui e agora” que se vê desvirtuado, como diz  Walter Benjamin, em ‘ A Obra de Arte na Época da sua Possibilidade de Reprodução Técnica’ [1935], é a substituição do objecto real e do seu contexto verdadeiro. E Maomé receberá, sem se aperceber, uma “montanha” diferente daquela que não chegou a visitar.

A organização da sociedade em rede torna o mundo mais pequeno mas afasta cada vez mais as pessoas umas das outras, dos objectos e dos contextos reais. Marshall McLuhan em “Understanding Media: The Extensions of Man” quando refere a Era Electrónica, descreve os médios electrónicos focando o seu favorecimento da participação e a espontaneidade dos indivíduos, mas também a sua contribuição para a re-tribalização da humanidade com a emergência da ideia da “aldeia global” e para o declínio do pensamento lógico e linear.

Maria Pires

IN: http://digartmedia.wordpress.com/2011/06/03/arte-interactiva-%E2%80%93-visitas-virtuais/

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