sexta-feira, 13 de julho de 2018

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Dos Loucos Anos 20 à Crise de 1929-1933



A partir de 1919 os Estados Unidos da América reafirmaram a sua hegemonia no sector industrial mundial, numa altura em que a Europa passava por uma crise motivada pela desvalorização da moeda, o aumento de preços e a deterioração dos conflitos sociais, em grande medida consequências da Primeira Guerra Mundial.
A crise com que os EUA se debateram meses após o fim da guerra foi ultrapassada com o aumento da procura, tanto interna como externa. Este crescimento económico saldou-se por um incremento do volume das exportações e uma forte diminuição das taxas de desemprego proporcionada pelo desenvolvimento da indústria.
O crescimento do consumo nos Estados Unidos foi possível por influência directa do aumento salarial e pelo incremento dos rendimentos provenientes da agricultura.
No início da década de 20 esta tendência de crescimento económico inverteu-se devido a uma alteração conjuntural resultante da junção de três factores: efeitos da especulação na Bolsa instigados pela especulação económica de 1919; agravamento da inflação e forte tendência de desvalorização da moeda na Europa e diminuição da procura de produtos americanos por parte dos mercados europeus.
Esta quebra conduziu à descida de preços nos EUA, a qual se manteve até 1926, e significou uma redução da produção industrial. Esta crise incidiu essencialmente na indústria têxtil, mas alastrou-se a outros sectores vitais da indústria, como a metalurgia, e fez-se sentir também na agricultura.
As economias americana e europeia foram afectadas pelo aumento das taxas de desconto, de 6% para 7%, e pela diminuição do crédito. Para as grandes companhias, a obtenção de capitais era conseguida através da redução dos stocks e dos preços praticados. Estas medidas tiveram resultados negativos nas empresas de menor envergadura, que se viram impossibilitadas de competir com aquelas.
O volume das importações europeias diminuiu, pelo facto de a Europa se ter tornado dependente do crédito americano. Entre 1920 e 1921 as taxas de desemprego dispararam e os salários desceram drasticamente. A crise na Europa atingia em especial a França e a Inglaterra; contudo, em 1922 as nações industrializadas como a Alemanha, o Japão e os Estados Unidos ultrapassaram os anos menos bons. Neste panorama de recuperação económica destacava-se a América do Norte, que mais tarde, em 1929, assegurava 44% do total da produção industrial mundial.
Aproximadamente em 1925 estava praticamente completa a reconstrução da Europa devastada pela Primeira Guerra Mundial. O nível de vida das pessoas melhorara e as cidades reanimavam-se, com uma panóplia de actividades culturais e de lazer, próprias de uma nova era de prosperidade.
Este período ficou conhecido como os "loucos anos 20", um período em que se cultivava o gosto pela moda, pela música, pelo espectáculo e pelo desporto. Contudo, esta prosperidade não era tão efectiva quanto parecia. O desemprego era ainda uma realidade; o proteccionismo económico adoptado por muitos governos travava o desenvolvimento económico; a inflação continuava a afligir a economia; a supremacia americana era nociva para os outros países; as especulações bolsistas atraíam investidores; a superprodução ameaçava a agricultura, sobretudo as regiões de monocultura; e a distância entre o capital e o trabalho era abismal.
Nas eleições presidenciais, de 1921, o vencedor foi o candidato republicano Warren G. Harding (1921-1923). No início dos anos 20 a América assistia a um anómalo desenvolvimento da indústria. O Presidente Harding morreu logo em 1923, dois anos depois de ter assumido a presidência. Apesar de se ter descoberto que alguns dos seus colaboradores mais próximos eram corruptos, a chefia da nação foi entregue ao seu vice-presidente e sucessor, Calvin Coolidge (1923-1924-1929), que saiu vitorioso nas eleições de 1924.
Passados quatro anos, as eleições presidenciais foram disputadas entre o candidato republicano Herbert C. Hoover e o candidato democrata Alfred E. Smith. Os resultados eleitorais foram mais favoráveis a Hoover, devido ao prolongamento de uma conjuntura de prosperidade e ao facto de o seu opositor ser católico romano e ser claramente contra a lei da proibição decretada nos Estados Unidos. Outro problema com que a América se debatia era o da imigração massiva de gentes de outros continentes.
Nos anos 20 o Congresso norte-americano reverteu a tendência tradicional da imigração, passando a ser muito mais restrita a entrada de imigrantes. Duas leis de 1921 e 1924 reduziram consideravelmente a emigração europeia.
Nos círculos laborais este período que medeia entre 1920 e 1932 foi muito marcado pelo declínio das uniões sindicais e pelo incremento do unionismo industrial. Esta tendência culminou na formação do Comité para a Organização Industrial (Committee for Industrial Organization) em 1935, que em 1938 se constituiu como o Congresso das Organizações Industriais (Congress of Industrial Organizations).
O assunto mais controverso deste período (1920-1932) dizia respeito à Proibição (Prohibition) ou ''Lei Seca''. Nos Estados Unidos havia um movimento que proibia a manufactura e comercialização de bebidas alcoólicas. Este movimento nasceu no século XIX e no século XX foi ratificado pela 18.a Emenda à Constituição americana.
Esta proibição provocou um movimento paralelo clandestino de fabricantes caseiros e um ambiente de violência instaurado pelos gangsters. É o "período de Chicago", uma época que marca o imaginário americano, e mesmo mundial, tornando célebres homens como Al Capone, Frank Nitti ou Scarface Black, líderes de poderosos bandos.
Em 1929 uma comissão liderada pelo procurador-geral George W. Wickersham tentou pôr cobro a esta situação. Nos resultados apresentados por Wickersham chegou-se à conclusão que as leis proibitivas impostas pelo governo eram um fracasso, uma vez que estas não surtiam o efeito desejado.
A par destas conclusões, a opinião pública americana parecia afastar-se das leis restritivas. Em Fevereiro de 1933 o Congresso aprovou uma nova lei. A 21.a Emenda à Constituição concedia o controlo da transacção das bebidas licorosas de volta aos Estados. Em Dezembro desse mesmo ano a Emenda era ratificada pelos Estados, integrando assim a Constituição.


Como referenciar este artigo:
Dos Loucos Anos 20 à Crise de 1929-1933. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010.
Disponível em: https://www.infopedia.pt/dos-loucos-anos-20-a-crise-de-1929-1933

sábado, 21 de maio de 2016

Emigração maciça dos anos 60



Na década de 60, Portugal assistiu a um crescimento económico que se traduziu num aumento significativo do investimento e numa certa abertura à economia externa. O turismo evoluiu positivamente e as remessas dos emigrantes contribuíram, em grande medida, para equilibrar a balança comercial.

Contudo, persistiam inegáveis dificuldades económicas resultantes, essencialmente, do acréscimo das despesas públicas. A Guerra Colonial era um sorvedouro dos dinheiros do Estado e um das principais razões para uma problemática quebra da mão-de-obra agravada pela forte vaga de emigração, provocando o aumento salarial.

A crise petrolífera de 1973 debilitou ainda mais a frágil economia nacional na década seguinte. Tudo isto significou que o crescimento económico desencadeado nos anos 50 não fora suficiente. Portugal afastou-se ainda mais dos países europeus que lhe estavam mais próximos, as assimetrias regionais agravaram-se e a agricultura não conseguiu acompanhar o ritmo de crescimento de outros sectores económicos.

A emigração não é um fenómeno exclusivo deste período, mas nesta década os valores atingidos em Portugal foram bastante alarmantes, pois causaram a desertificação das regiões mais carenciadas do país, onde os números da emigração atingiram valores mais elevados.

Os factores determinantes para esta emigração massiva foram: a crise do sector agrícola, a total incapacidade dos outros sectores económicos absorverem a população rural que abandonava os campos, a falta de mão-de-obra em muitos países da Europa e a fuga à Guerra Colonial e à repressão política. A agricultura continuava a ser um sector tecnicamente atrasado, que sofria os efeitos de uma deficiente distribuição da propriedade e do êxodo da população rural para os centros urbanos, mas que não foi absorvida pelos outros sectores económicos. Esta população, oriunda do campo, foi compelida a procurar novas oportunidades no exterior. Alguns países da Europa, como a França, que no pós-guerra conheceram uma fase de prosperidade económica, atraíram milhares de Portugueses, que aí procuraram vantajosas condições salariais e uma melhoria da qualidade de vida. Outro ponto fundamental da análise deste fenómeno é a situação política do país. Muitos cidadãos procuravam fugir não à miséria, mas à terrível guerra colonial e à forte repressão política desencadeada pelo regime contra os seus incómodos opositores.

Este surto de emigração teve reflexos imediatos na economia portuguesa. Conduziu à redução e ao envelhecimento da população, sobretudo nas regiões do interior, provocou uma diminuição da mão-de-obra e operou uma mudança cultural e material no país com as remessas dos emigrantes. Nos países de acolhimento os emigrantes tinham um nível de vida mais elevado, apesar da emigração, em especial a clandestina, se ter efectuado em condições extremamente difíceis.

Campo de investigação ainda em grande medida por concretizar, a emigração portuguesa (juntamente com a espanhola, cronologicamente coincidente e com motivações algo idênticas), marcou (e marca) fortemente a feição da sociedade portuguesa. O seu peso e as suas implicações, a todos os níveis, são até hoje questões essenciais da vida nacional e remontam todos os programas governativos.

Os principais destinos foram a França e a Alemanha, onde o esforço de reconstrução face à destruição gerada pela Segunda Guerra Mundial se mantinha, a Suíça, a Bélgica e a América Anglo-Saxónica, e em menor escala a Austrália. A Venezuela, o Brasil e a África do Sul foram também países de acolhimento dos emigrantes portugueses. Apesar da Guerra Colonial, muitos foram os que debandaram também para Angola e Moçambique.


Como referenciar este artigo:
Emigração maciça dos anos 60. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consultado em  2010-02-25].
Disponível http://www.infopedia.pt/$emigracao-macica-dos-anos-60,3

Fichas de trabalho



FICHAS DE TRABALHO EM: 


http://cursos-de-educacao-e-formacao-de.webnode.pt/ufcd%C2%B4s/clc/

Sociedade Democrática em Portugal (alterações sociais)



A cronologia da evolução social difere da política, e para se perceberem as continuidades e transformações da sociedade democrática é necessário recuar até à década de 60, a partir da qual se verificaram importantes mudanças, algumas das quais se contam entre os factores que deram origem à revolução; é o caso da emigração, por exemplo. A sua evolução foi multifacetada, registando, por vezes, acelerações bruscas.

A emigração acompanha a História portuguesa como um factor estrutural. À grande emigração dos anos 60, sobretudo em direcção a França, seguiu-se um abrandamento. Nos anos 80 os portugueses migraram muito menos e os destinos alteram-se: emigram em direcção aos EUA, Venezuela, Canadá e Austrália.
Contudo, o movimento mais espectacular, após o 25 de Abril, foi o do regresso dos portugueses das ex-colónias africanas - é este aspecto que caracteriza a imigração dos meados da década de 70, entrando em Portugal mais de meio milhão de pessoas.

A zona do litoral - Lisboa e Vale do Tejo - recebeu quase metade dos retornados, mas alguns distritos do centro e interior, como Viseu, Vila Real e Guarda, acolheriam também muitos dos portugueses das ex-colónias.

Este fenómeno gerou algum mal-estar social, mas, globalmente, saldou-se como integração pacífica. Esta integração ficou a dever-se, por um lado, ao facto da maioria dos retornados ter ido recentemente para as colónias (anos 60), e, por outro, a sociedade portuguesa estar ainda muito ligada à agricultura, bem como às práticas que se lhe associam, nomeadamente a solidariedade familiar. Importante também foi o facto da maioria destas pessoas serem jovens, em idade activa e escolarizadas. Desta forma, os retornados contribuíram para o crescimento e o rejuvenescimento da população em geral, da qualificação média da população activa, das iniciativas empresariais (sobretudo médias e pequenas empresas) e para a difusão de novos valores.

Um outro movimento a destacar é o regresso contínuo de emigrantes da Europa, mas este fenómeno, com início mesmo antes de 74 e que a partir de 80 atinge valores mais significativos, teve muito menos impacte, quer pelo número de pessoas que regressam, quer pelo facto de ser gradual.

Da mesma ordem de importância foram os fluxos de africanos, migrações sazonais, e os de fixação definitiva. Trata-se de um movimento que se iniciou nos anos 60, ganhando mais intensidade nos anos 80. Portugal tornou-se, assim, recentemente, um país receptor de imigrantes, não só de africanos dos PALOP, mas também (desde 80) do Zaire, Senegal, Brasil, Índia e China. É a emigração clássica de força de trabalho não qualificado.
Nos trinta anos que se situam entre 1971 e 1991, regista-se um aumento da população portuguesa (a residir em Portugal) de cerca de 1 milhão de pessoas, para depois, entre 1981 e 1991, se verificar uma estabilização da população, em torno dos 10 milhões.

Portugal apresentou, na década de 70, uma taxa de crescimento médio anual da ordem dos 1,30%. Este forte crescimento ficou a dever-se, em grande medida, ao regresso de portugueses das colónias, e, em menor escala, ao regresso de nacionais da Europa. A década seguinte caracterizou-se, sobretudo, por uma situação de estagnação, que espelha o real envelhecimento da população.

A evolução registada entre 60-91 revela, pois, um progressivo envelhecimento da população no topo e na base da pirâmide etária. Entre 1970 e 1991, verifica-se uma diminuição do grupo etário situado entre os 0 e os 15 anos, um aumento do grupo etário entre os 15 e os 64, bem como um aumento do número de pessoas com mais de 65 anos. Isto é, verificou-se um duplo envelhecimento, que traduz a quebra da natalidade e da fecundidade, e também o aumento da esperança de vida (entre 74 e 91, verificou-se um aumento da esperança de vida de cerca de 3 anos para ambos os sexos).


É de referir, ainda, a extraordinária evolução da taxa de mortalidade infantil que, em 1974, era da ordem dos 58% e que passou para os 10% em 1991. As taxas brutas de nupcialidade desceram (9% em 1971 para 7,3% em 1991), tendo-se verificado um aumento das taxas de divórcio e de separação (0,12% em 1974 para 1,03% em 1991), como também um aumento da taxa de nascimentos fora do casamento.
Contudo, é necessário considerar que as taxas aqui apresentadas têm variações regionais que se relacionam com os fenómenos de urbanização e litoralização da população.

No que respeita à evolução dos níveis de escolaridade, refira-se que em 1960 a maioria da população portuguesa não havia ultrapassado o nível básico de escolaridade (nem sequer 5% da população atingia o ensino secundário e apenas 1% o ensino médio ou superior), andando a taxa de analfabetismo pelos 30%. Contudo, a partir dos anos 60, assiste-se à duplicação das percentagens de indivíduos que vão, sucessivamente, atingindo os vários graus de ensino, sobretudo no que diz respeito ao ensino médio e superior. Este fenómeno está na origem de um processo complexo de recomposição social.

Novas lógica sociais encontram expressão na procura e frequência de novos cursos profissionais e especializações que o sistema actual de ensino passou a proporcionar. O nível de ensino da população em geral e o aumento de mulheres no ensino superior cresceu de forma acelerada, embora a taxa de analfabetismo seja ainda elevada, comparativamente aos países da União Europeia. Contudo, o sistema de ensino tem alguns problemas graves, como, por exemplo, certa ineficácia do ensino experimental e a alta taxa de abandonos. A procura de instrução e formação é actualmente considerada normal, mas é um fenómeno relativamente recente.

As transformações que referimos envolveram processos complexos de recomposição social e socioprofissional. A taxa de actividade global subiu no últimos dez anos, mas um dos aspectos que mais transformaram e continuaram a transformar a sociedade portuguesa é a crescente participação da mulher na actividade profissional, que alterou o seu estatuto, a par da alteração das relações conjugais e da quebra da natalidade. O crescimento da taxa de actividade feminina em Portugal duplicou nos últimos 20 anos, sendo maior do que nos outros países europeus (a taxa média de mulheres na população activa, em 1990 e em Portugal, era da ordem dos 64%, e na Comunidade pouco ultrapassava os 60%). É a procura de realização profissional e independência pessoal por parte das mulheres.

Este processo gera um movimento de recomposição socioprofissional onde a mulher tem cada vez mais um papel importante, e só ao nível dos dirigentes e operários é que ainda permanece um desequilíbrio a favor dos homens. Contudo, à mulher cabe ainda a maioria do trabalho doméstico.

Acompanhando as alterações, ou melhor, a redistribuição nos diferentes sectores da actividade económica, vai-se operando uma reestruturação das exigências de qualificação, das características e pesos relativos entre as diversas actividades profissionais.

A litoralização e a urbanização são processos que em Portugal já se começaram a desenvolver há algum tempo, e que na época contemporânea passam por um reforço e intensificação. Dos anos 60 em diante acentuam-se as assimetrias regionais. O litoral urbaniza-se e industrializa-se, enquanto o interior se desertifica. Em 1991, 80% da população concentrava-se no litoral - entre o Minho e o Algarve (à excepção do Alentejo) - 15% no interior - de Bragança a Beja. Esta dualidade expressa e reproduz desigualdades regionais, que se referem ao envelhecimento populacional, a níveis de escolaridade, qualificação, industrialização e actividades profissionais.

Uma das grandes alterações sociais dos últimos 30 anos é o crescente peso dos profissionais que desenvolvem a sua actividade no sector terciário. A agricultura, tradicionalmente o sector mais produtivo e que empregava a maioria da população, subalternizou-se em relação à indústria e serviços. A indústria reorganiza-se, mas não mostra grande capacidade para oferecer mais emprego, ao passo que o sector terciário absorve actualmente mais de metade da população activa portuguesa.

Assim, verifica-se uma diminuição do peso de profissionais dedicados à agricultura e à pesca, e um aumento, sobretudo a partir dos anos 80, quer dos directores e cargos dirigentes, quer dos profissionais da ciência e técnica. Este crescimento foi muito acelerado nos últimos decénios, e refira-se que o grupo dos profissionais da ciência e da técnica constitui o grupo com maior capacidade de protagonismo social.

A mobilidade social, isto é, o conjunto de alterações das possibilidades dos indivíduos e famílias, tomando como ponto de referência a classe social de origem, é um dos aspectos positivos da evolução da sociedade portuguesa. A evidência de trajectos de mobilidade social ascendente (23% dos empresários dirigentes são oriundos da classe operária) não pode, contudo, fazer-nos esquecer outras evidências, como a persistência da pobreza e o aumento do número de excluídos.

A sociedade portuguesa está a passar por transformações, por um lado, aceleradas e, por outro, complexas, mas que se inserem em dinâmicas que ultrapassam as fronteiras nacionais.


Sociedade Democrática em Portugal. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consultado em  2010-02-25].
Disponível - http://www.infopedia.pt/$sociedade-democratica-em-portugal,4

Bauhaus Movement





© Hossein Albert Cortez, Masterminds of Bauhaus Movement – From left to right: Josef Albers, Hinnerk Scheper, Georg Muche, László Moholy-Nagy, Herbert Bayer, Joost Schmidt, Walter Gropius, Marcel Breuer, Wassily Kandinsky, Paul Klee, Lyonel Feininger, Gunta Stölzl, Oskar Schlemmer. December – 1926.


Imagem retirada de Bauhaus Movement - Aqui


quarta-feira, 11 de maio de 2016

Ponte 25 de Abril - As primeiras imagens (raras)



Ponte 25 de Abril comemora 50 anos no dia 6 de Agosto 








Lisboa e Almada ficaram mais próximas em agosto de 1966, quando a agora chamada Ponte 25 de Abril nasceu no alto dos seus 70 metros acima do rio Tejo. Ver mais imagens raras dos tempos da construção AQUI:


http://observador.pt/2016/05/09/lisboa-as-primeiras-imagens-raras-da-ponte-25-abril/



Número 192 (Maio 2016) - VERGÍLIO FERREIRA / FEDERICO GARCÍA LORCA

Um novo número da revista Colóquio/Letras no ano de 2016 não podia deixar de celebrar o centenário do nascimento de Vergílio Ferreira, que nos deixou, indiscutivelmente, uma das obras mais significativas da segunda metade do século XX, na dupla vertente de romancista e de filósofo. São apresentadas diversas perspetivas da sua escrita ficcional, sendo igualmente de referir a análise das notas com que ele sublinhava os seus livros de eleição, entre os quais se destacam as obras de André Malraux a quem dedicou um importante estudo.

Também neste ano se cumprem oitenta anos sobre o início da Guerra Civil de Espanha, um dos mais sangrentos conflitos do século XX, que antecipou a II Guerra Mundial e foi o campo de ensaio para as potências nela participantes. Com a colaboração da Professora Encarna Alonso, da Universidade de Granada, evocamos Federico García Lorca que, no ano de 1936, e nessa mesma cidade, foi capturado e fuzilado pelas forças que se levantaram contra a República. Tal assassinato teve um amplo eco em Portugal, justificando-se inteiramente esta memória de um poeta que tanto influenciou, com a sua escrita luminosa e límpida, a poesia de um Eugénio de Andrade, que foi seu tradutor.

O presente volume reúne ainda dois estudos sobre a literatura para a infância e a poesia de Manuel António Pina, um artigo sobre o fascínio de Fernando Pessoa pelo esoterismo e uma análise de um conto de Mário de Carvalho em interlocução com Jorge Luis Borges.
O número inclui páginas inéditas de ficção de Isabel Rio Novo e ilustrações de Luis Manuel Gaspar. 

Ilustração de Luis Manuel Gaspar - 'A Morte Nunca Existiu'

Bernardo Santareno - Nos Mares do Fim do Mundo


fotografia de Bernardo Santareno


"Foi reeditado "Nos Mares do Fim do Mundo", de Bernardo Santareno (1959), livro sobre o período em que o escritor acompanhou os pescadores bacalhoeiros portugueses pela Terra Nova e Gronelândia."

[...]

"a bordo dos navios David Melgueiro, Senhora do Mar e Gil Eannes,"

[...]
"O volume também traz fotos – registos de despedidas, de embarcações, de rostos, da figura do próprio autor, sempre com óculos de massa, uma das suas imagens de marca. E dois inéditos. O primeiro é um texto sobre o peso da responsabilidade de ter deixado o território protegido dos laboratórios e das clínicas para tratar aqueles que tanto respeitava e o segundo é sobre uma insubordinação em defesa de um direito ocorrido num arrastão. O prenúncio de um posicionamento político que Bernardo Santareno iria aprofundar nos anos seguintes, antes e depois do 25 de Abril de 1974."




No próximo dia 19 de Maio, às 18 horas, Pedro Urbano estará no Palácio Nacional da Ajuda para vos falar acerca da Casa Real no final da Monarquia Constitucional. Gostaria muito de vos ver por lá!







terça-feira, 12 de março de 2013

"Retratos" - Documentário de Luísa Homem

"Retratos" é um documentário encomendado à jovem realizadora Luísa Homem, pela Fundação Calouste Gulbenkian no âmbito do Fórum Gulbenkian Imigração. O documentário apresenta-se como um conjunto de breves depoimentos de imigrantes residentes em Portugal, cujas aspirações, frustrações e perspectivas são as mais variadas. Portugal e os portugueses vistos pelos imigrantes.

Finding Vivian Maier - Official Movie Trailer



A. M. PIRES CABRAL - COMPUTADOR NO LIXO


Eis um computador
no lixo. E todavia
o crânio de lata teve memória dentro
– gigabytes dela! –,
fez as quatro operações,
aceitou versos
no seu imaculado
vazio virtual.

Agora já não soma
nem subtrai,
nem geme poemas, nem sublinha
erros de ortografia.
Os pingos de solda, precários
neurónios de metal,
perderam a memória.

Já que te antecipaste,
companheiro,
diz-me como é não funcionar.

E se a ferrugem dói.


Como se Bosch Tivesse Enlouquecido, João Azevedo Editor, Mirandela, 2003.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

CIBERESPAÇO E A ARQUITECTURA DOS «NÃO LUGARES» HABITADOS POR «HOMENS SEM QUALIDADES»

Hugo Ferrão *

A criação do termo cyberespace (ciberespaço) é atribuída a William Gibson  autor  do livro  de  ficção  científica  cyberpunk - Neuromancer (neuromante)  (1984),   no   qual esboça   a   ideia   de   ciberespaço,   sendo posteriormente   apropriada   pela comunidade   científica   norte-americana como potencial campo-espaço cibernético no qual confluem todos os media digitalizados,  libertando  uma  memória  colectiva incomensurável  de  um rigor nunca atingível pela mente humana. 

William Gibson associa a origem do ciberespaço aos ancestrais jogos electrónicos  e  aos «jogos  de  guerra»  desenvolvidos  pelos  programas  das instituições  militares,  duranteo  período  da  «guerra  fria»,  programas  esses apoiados  na  investigação  científica  e inovação  tecnológica  de  ponta.  Esta estratégia  tornou-se  mais  visível  e  conhecida nos  Estados  Unidos,  e concretizou-se  através  projectos  como  a  ARPA  -  Advanced  Research  and Projects  Agency,  (1957)  da  NASA  -  Nacional  Aeronauticas  and  Espace Administration  (1958)  ou  da  ARPANET  em  1969  e  no  envolvimento  de algumas universidades com  o  objectivo  de  organizar  oceanos  de  dados, realizar o seu tratamento de forma a que a informação resultante permitisse reagir  rapidamente  em caso  de  ataque  nuclear.  Gibson  define  ciberespaço em Neuromante da seguinte maneira:

«O  ciberespaço.  Uma  alucinação  consensual,  vivida  diariamente por  biliões  de operadores  legítimos,  em  todas  as  nações,  por  crianças  a quem  se  estão  a  ensinar  conceitos  matemáticos.  Uma  representação gráfica  de  dados  abstraídos  dos  bancos  de  todos  os  computadores  do sistema humano. Uma complexidade impensável. Linhas de luz alinhadas no não espaço da mente; nebulosas e constelações de dados. Como luzes de cidade, retrocedendo.»

O grau de complexidade subjacente à ideia de ciberespaço tem a sua raiz conceptual no sufixo «cyber», (ciber) que nos projecta numa dimensão «imaginotécnica»,  indissociável    da    artificialidade    do    pensamento cibernético,  cuja  particularidade  reside  na construção  de  modelos  em qualquer  domínio  do  conhecimento,  indiferentemente das  categorias  pré-estabelecidas,   provocando   a   contaminação   e   interligação   de  áreas aparentemente  afastadas,  congregando  múltiplas  constelações  disciplinares que fazem parte do conhecimento humano.

O  conceito  de  cybernetics  (cibernética)  é  da  autoria  de  Norbert Wiener (1894 -1964),  um  matemático  norte-americano  que  publica  através do   Massachusetts Institute   of   Technology,   (1948)   o   livro   intitulado Cybernetics,  or  Control  and Communication  in  the  Animal  and  the Machine, elaborando uma teoria de comando e comunicação aplicável tanto à  máquina  como  ao  homem,  este  mesmo  livro  é posteriormente  (1961) complementado com uma segunda parte, na qual encontramos o capítulo XI - Sobre Máquinas que Aprendem e se Autoreproduzem, onde faz um alerta para o elevado risco e nível de complexidade das futuras máquinas: [...] 

continua aqui 

1
  Cyberpunk,  é  o  termo  que  denomina  uma  corrente  literária  de  ficção  científica  que caracteriza  a  cibercultura  das  décadas  de  80  e  90  da  qual  fazem  parte  William  Gibson, Bruce  Sterling,  John  Shirley,  Mark  Dery,  Michael  Swanwick  e  Walter  Jon  William. Cyberpunk  está  também  associado  à  identificação  de  um  movimento  essencialmente informático,  uma  «tribo  electrónica»  com  posicionamento  de  contra-cultura  fortemente sustentado. 

segunda-feira, 26 de março de 2012

Arte interactiva – visitas virtuais


Arte interactiva – visitas virtuais
Maria Pires
 
Publicado 03/06/2011
Iniciativas como o Google Art Project, ( http://www.googleartproject.com/c/faq), a proliferação dos Museus Digitais ou a Reprodução Fotográfica do Mundo (http://www.360cities.net/), propõem visitas virtuais e aderem ao conceito de “arte interactiva”e ou “visitas virtuais”; obrigam-nos a reflectir sobre o papel dos novos media na tentativa de cumprir um velho adágio “se Maomé não vai à montanha, a montanha vai (ou é levada!) a Maomé” e sobre a forma como a realidade se molda, expande, contrai ou deforma, neste percurso.

Tradicionalmente, os museus proibiam/proíbem fotografias ou filmes das obras expostas. No entanto é agora muito comum a sua participação em iniciativas e projectos virtuais de divulgação. Perguntamo-nos se será esse mesmo o principal objectivo destas mostras virtuais e interactivas – a “divulgação” massiva, acenando virtualmente com “a montanha a Maomé” como incentivo a que “Maomé procure fazer uma visita real à montanha”, ou seja ao museu ou ao local de paisagem natural fascinante? Simplesmente uma tentativa arrojada de resgatar a “aura” do original, isto é, procurar sobrepor-se às réplicas falsas ou de pouca qualidade “oficializando” de certa forma o estatuto artístico da “réplica”?

Voltemos aos exemplos citados e à reflexão proposta. A observação de detalhes que não são perceptíveis in loco e o paralelismo com a ideia de reprodução dos postais, remetem-nos para conceitos como a hipermediacia, imediacia e remediação, descritas por Jay David Bolter e Richard Grusin em “Remediation: Understanding New Media”.

No projecto do Google tanto nos é dada a ilusão de que estamos num local fictício e estamos a viajar dentro de um museu, como ao mesmo tempo essa ilusão é quebrada pela presença constante de menus que nos guiam e são essenciais à nossa navegação. Por outro lado, a todo o instante podemos carregar numa hiperligação e “olhar” ou “ver” com maior pormenor os quadros, de uma forma que não poderia ser feita in loco, o que evidência o facto de não estarmos realmente naquele local, mas sim num mundo virtual criado a partir do mundo real e físico do museu e que remedeia, através da sua forma de navegação, a visita a um museu.

No site “360Cities” podemos também ver, além de algumas das coisas já indicadas no projecto de arte do Google, um clara remediação das ideias dos postais que surgem no séc. XIX e dos micro filmes dos irmãos Lumière, onde, para lá de observar um local podemos também explora-lo, dentro das limitações que a composição da fotografia permitem, como também optar, ou tentar optar, por diferentes perspectivas dentro do mesmo local captado.
A decomposição dos objectos digitais modularmente, como descreve Lev Manovich em “The Language of New Media”, é uma constante destes projectos.

O processo da fotografia digital só é conseguido graças a essa “pixelização”, evidente até mesmo no título de algumas fotografias, como é o caso da maior fotografia de interiores com o título “Strahov Library 40 Gigapixels”. Mas também a montagem de um ambiente em 360º a partir da fotografia se faz a partir da montagem de várias fotografias tiradas no local e relacionando elementos comuns, dando-nos a ilusão de que nos deslocamos no local através das tomadas de perspectiva diferentes e montadas como um só.

Ao observarmos como o virtual tenta penetrar num espaço social e físico, tentando substitui-lo, é-nos proposta a reflexão sobre a substituição da arte pela réplica. Há aspectos fascinantes que nos são disponibilizadas através da réplica e aos quais não teríamos acesso numa visita presencial. Mas este é um dos factores chave que ajudam a proliferar esta prática que promove a cultura de massas, que se alimenta do rápido, fugaz, cómodo e desprovido da reflexão própria da relação que é suposto poder estabelecer-se entre a obra e o interlocutor; é o “aqui e agora” que se vê desvirtuado, como diz  Walter Benjamin, em ‘ A Obra de Arte na Época da sua Possibilidade de Reprodução Técnica’ [1935], é a substituição do objecto real e do seu contexto verdadeiro. E Maomé receberá, sem se aperceber, uma “montanha” diferente daquela que não chegou a visitar.

A organização da sociedade em rede torna o mundo mais pequeno mas afasta cada vez mais as pessoas umas das outras, dos objectos e dos contextos reais. Marshall McLuhan em “Understanding Media: The Extensions of Man” quando refere a Era Electrónica, descreve os médios electrónicos focando o seu favorecimento da participação e a espontaneidade dos indivíduos, mas também a sua contribuição para a re-tribalização da humanidade com a emergência da ideia da “aldeia global” e para o declínio do pensamento lógico e linear.

Maria Pires

IN: http://digartmedia.wordpress.com/2011/06/03/arte-interactiva-%E2%80%93-visitas-virtuais/
http://www.googleartproject.com/

http://www.googleartproject.com/


Guião de Navegação
http://www.googleartproject.com/c/faq

Arte Interativa






Alba Fernanda Triana - Partitura Sonora
http://www.albatriana.com/-/AlbaTriana.html



Instrumento Musical Interativo
http://www.albatriana.com/-/Gamelan_EN.html

domingo, 11 de março de 2012

Empreendedorismo Social

Qual a diferença entre Empreendedorismo e Empreendedorismo Social?


É consensual, na literatura académica, apontar como principal característica distintiva do empreendedorismo social a missão de criar e maximizar o valor social, por intermédio de actividades inovadoras, ao invés da geração de lucro inerente ao empreendedorismo.

Assim, enquanto um empreendedor comercial procura oportunidades de criar e capturar valor económico, para um empreendedor social, o foco da atenção é o problema da sociedade a resolver, mesmo que a resolução desse problema não pareça permitir fazer lucros. O empreendedor social procura maximizar a criação de valor social para a sociedade, satisfazendo a captura de valor (para si e para a sua organização) a um nível que assegure a sustentabilidade da solução a longo prazo.

In: http://www.ies.org.pt/

terça-feira, 6 de março de 2012

Alberto Manguel – “Estamos a destruir o valor do acto intelectual”

Julho 15, 2010
Ensaísta, escritor de ficção – mas talvez, acima de tudo, leitor. Instalou a sua magnífica biblioteca pessoal num presbitério medieval francês, onde reside. De passagem por Lisboa, Alberto Manguel falou com o Ípsilon.
Os livros e a leitura sempre nortearam – e ainda norteiam – a vida de Alberto Manguel. Aprendeu a ler por volta dos três anos e nunca mais parou. Quando era adolescente, leu em voz alta, durante vários anos, para Jorge Luis Borges, que tinha ficado cego. Mais tarde, começou a escrever sobre livros, leituras e leitores – e o seu “Uma História da Leitura” (publicado em Portugal em 1999 pela Presença) tornou-se um best-seller mundial.
Nasceu em Buenos Aires em 1948, criou-se em Israel, fez o liceu na Argentina, viveu em sítios longínquos como Taiti. Nos anos 1980 mudou-se para Toronto, no Canadá, e tornou-se cidadão canadiano. De há 10 anos para cá, vive no Sul de França.
As suas primeiras línguas foram o inglês e o alemão e só mais tarde viria o espanhol, explicou Manguel em Lisboa, durante uma conversa pública na semana passada com Francisco José Viegas, no âmbito do Festival Silêncio. “Os meus pais quiseram que eu tivesse uma aia checa de língua alemã que me falasse inglês. Eles, por seu lado, falavam espanhol e francês – o que significa que eu não falei com os meus pais até aos oito anos…” Sentido de humor e simpatia irresistíveis. O eclectismo de Manguel não se limita à geografia e à linguística. Eterno leitor de Homero ou Dante, adora novelas policiais e ficção científica e não alinha nas modas nem nos cânones estabelecidos. “Há grandes obras, que reconheço que são grandes obras, mas que a mim não me interessam.”
Gosta muito de ler na cama e está “sempre a ler”. Todos os dias, antes de tomar o pequeno almoço, lê um canto de “A Divina Comédia” (“é o meu yoga”). Fala dos 40 mil livros que compõem a sua imponente biblioteca, instalada numa ruína medieval restaurada, como se de 40 mil filhos se tratasse (ele próprio tem três, já crescidos).
O ebook, explicou ainda, não é mais do que “uma tábua de argila com mais memória”, acrescentando que – cúmulo da ironia -, depois de termos abandonado os rolos de pergaminho para adoptar o codex com as suas páginas encadernadas, muito mais prático de ler, voltamos… a fazer scroll às páginas nos ecrãs de computador…
Não usa telemóvel, nem Internet, não tem email. Não os acha úteis. Os amigos ofereceram-lhe um site pessoal nos seus 60 anos (alberto.manguel.com), que “ao que parece, funciona muito bem”. No fundo, a Internet é como uma grande biblioteca – e ele já tem a dele.
A sua obra está toda ela dedicada ao lado maravilhoso da leitura, do acto de ler. A sua paixão pela leitura vem de onde? Nasce-se leitor ou uma pessoa torna-se leitora?
Penso que somos animais leitores. Vimos ao mundo com uma certa consciência de nós próprios e do que nos rodeia e temos a impressão de que tudo nos conta histórias: a paisagem, o rosto dos outros, o céu, em tudo encontramos linguagem. Tentamos desentranhá-la, tentamos lê-la. Nesse sentido, não podemos existir enquanto seres humanos sem a leitura. Inventámos a linguagem escrita, a linguagem oral, para tentarmos comunicar essa experiência do mundo, para nos contarmos histórias e através delas, falar dessa experiência. No meu caso, o conhecimento do mundo passou sempre pelos livros. Tive uma infância um pouco particular: o facto de o meu pai pertencer ao corpo diplomático fez com que viajássemos muito e que eu não tivesse nenhum sítio onde me sentisse em casa. A minha casa estava nos livros. Regressar à noite aos livros que conhecia, abri-los e constatar com imenso alívio que o mesmo conto continuava na mesma página, com a mesma ilustração, dava-me uma certa segurança e um certo sentido do lar.
Mas nem toda a gente é leitora…
Nem toda a gente é leitora, mas acho que, no fundo, é porque as circunstâncias fazem que não sejamos todos leitores. A possibilidade está em todos nós. O que quero dizer é que suponho que há pessoas que nunca se apaixonam, suponho que há pessoas que nunca viajam, suponho que há pessoas que não têm uma certa experiência do mundo. E da mesma maneira, existem muitas pessoas que não são leitoras. Mas a possibilidade está dentro de nós.
A proporção de leitores numa dada sociedade nunca foi muito grande – seja na Idade Média, seja no Renascimento ou no século XX. Os leitores nunca foram a maioria. Se, por exemplo, todos os espectadores de um único jogo de futebol comprassem um livro, uma tarde, esse livro passaria a ser o best-seller mais espectacular da História da literatura.
Pensa que, para além de não haver muitos leitores, a leitura está a perder terreno neste momento?
O que está a perder terreno é a inteligência. Estamos a tornar-nos mais estúpidos porque vivemos numa sociedade na qual temos de ser consumidores para que essa sociedade sobreviva. E para ser consumidor, é preciso ser estúpido, porque uma pessoa inteligente nunca gastaria 300 euros num par de calças de ganga rasgadas. É preciso ser mesmo estúpido para isso.
Essa educação da estupidez faz-se desde muito cedo, desde o jardim de infância. É preciso um esforço muito grande para diluir a inteligência das crianças, mas estamos a fazê-lo muito bem. Estamos a conseguir destruir aos poucos os sistemas educativos, éticos e morais, o valor do acto intelectual.
É reversível?
Espero bem que sim. Mas receio que piore antes de melhorar. Falando apenas em livros e literatura, as grandes empresas internacionais tomaram posse da indústria editorial e transformaram o acto literário num modelo de supermercado. Mas continua a haver escritores, pequenos editores, há uma espécie de movimento de resistência – que também passa, por exemplo, pela tecnologia electrónica. Isso faz-me pensar que vamos sobreviver… mas não sei se o meu optimismo se justifica.
Estamos a ler de forma diferente?
Penso que o que está a acontecer, como acontece em tempos de crise, não é o facto de termos passado a ler de forma diferente, mas de estarmos a tornar-nos mais conscientes do que significa ler, ser leitor, do que é a literatura. Estamos a interrogar-nos sobre essa actividade simplesmente porque ela está ameaçada. Antes de o urso polar entrar na lista das espécies em perigo, ninguém falava dos ursos polares – não era um tema de conversa corrente [ri-se]. Surgiu porque os ursos polares estão em perigo. É porque os leitores sentem um perigo que começaram a reflectir sobre o que significa o acto de ler.
Alguém disse que quando ganhámos o elevador, perdemos as escadas. O que perdemos quando passamos do livro em papel para o ebook?
Eu não prescindiria do elevador nem das escadas. Se tivesse de passar seis meses no Pólo Norte, dava-me muito jeito levar um livro electrónico – se houvesse baterias que durassem seis meses. O problema não está na invenção de novos suportes para a leitura. Surge quando esses suportes são promovidos por razões puramente económicas e nos tentam convencer a substituirmos tudo por esse único suporte.
A indústria faz constantemente isso e é o que está a acontecer com os livros. Existe actualmente nos Estados Unidos um movimento para acabar com os livros em papel nas bibliotecas das universidades. São tontices: o problema não tem a ver com a electrónica nem com o livro impresso, tem a ver com um comerciante ganancioso que quer vender computadores.
Mas os editores não querem vender computadores, têm medo deste fenómeno.
Têm medo, mas cada vez mais os contratos de edição incluem os direitos para o ebook. Não acho que isso seja um problema. Paulo Coelho, que não é uma pessoa conhecida pelas suas ideias filantrópicas, colocou todos os seus livros na Internet porque percebeu que as pessoas que liam os livros em formato electrónico iam a seguir comprar o verdadeiro livro.
O livro electrónico é mais uma forma de ler e tudo depende de como queremos ler. Se quiser apenas ler um texto, conhecer um texto, tanto me faz que seja num ecrã ou num livro electrónico. Mas se quiser ler como costumo ler – eu, Alberto Manguel -, fazendo anotações nas margens, passando da página 74 para a página 32 para depois ir espreitar a página 3, não posso fazer isso com um livro electrónico – ou talvez possa, mas é mais complicado. A mim o ebook não me é útil – mas percebo perfeitamente que o seja para outros.
Gostemos ou não, o futuro não será electrónico na mesma?
O futuro não – o presente. O futuro, esse, não sei como vai ser. O meu filho utiliza hoje a electrónica para tudo, para ouvir música, para falar ao telefone, para ler, para comprar bilhetes de avião – tudo passa pela electrónica. Mas também lê livros, também ouve CD de música e discos de vinil. Estamos num presente cuja tecnologia é electrónica – é absurdo negá-lo. Mas daqui a 10 ou 20 anos, vamos dizer: “Ainda usas um computador? Não tens um pffttt?” (não sei que nome iremos dar a tecnologia que virá a seguir).
Estamos a mudar de objectos quotidianos a um ritmo impressionante. Mas nada disso me assusta, faz parte da nossa realidade. O que me assusta é a nossa utilização desses instrumentos e a falta de liberdade com a que os utilizamos. Estamos a transformar-nos cada vez mais em meros consumidores. É essencial reflectirmos sobre isso, porque estamos a perder uma liberdade que define a nossa condição humana.
É muito importante sabermos por que usamos uma coisa. Eu não uso telemóvel, não uso a Internet, não tenho email, mas é uma escolha, não é uma resistência contra algo que me poderia servir. A mim, essas coisas não me servem. Percebo perfeitamente que um cirurgião, que pode ser chamado de urgência, precise do telemóvel, mas a ideia dessa presença constante, dessa comunicação constante, dessa urgência constante, é totalmente falsa. E nós aceitámo-la – mas espero que consigamos reagir. Já chega, já brincámos com todos esses brinquedos e agora vamos pensar um pouco para saber se realmente precisamos deles.
A Internet permite associar ideias, inclusive literárias, quase como se fosse por acaso. Não pensa que isso pode expandir a imaginação?
Essa é precisamente a forma como usamos uma biblioteca. Há mesmo uma biblioteca – que para mim é o arquétipo das bibliotecas -, que é a de Aby Warburg [historiador, 1866-1929]. Foi instalada em Hamburgo em inícios do século XX e é uma biblioteca “associativa” no sentido em que Warburg colocava os livros na ordem em que ele os associava. Ele desenvolveu, por exemplo, uma “lei do leitor”, e em particular uma “lei do bom vizinho”, segundo a qual a informação de que estamos à procura se encontra sempre no livro ao lado daquele que tirámos para consulta [ri-se]. A leitura é uma actividade associativa, sempre foi.
Procuramos uma informação, lemos um livro e ao lado desse livro há outro e é assim que construímos as nossas bibliotecas e as nossas cronologias.
O problema com a Internet é que nos dá a ilusão de possuirmos toda a informação que contém. Mas o facto de essa informação existir não significa que seja nossa. Temos de saber procurá-la, saber se é fiável ou não, saber utilizar as associações que fazemos. Podemos brincar com a Internet dias a fio, à procura de anedotas, de bocados de informação recôndita, etc. É óptimo, mas tem de haver uma actividade mental capaz de incorporar, destilar, recriar essa informação. Ora, um dos grandes problemas actuais dos bibliotecários é que os jovens que chegam às bibliotecas, e que estão habituados a utilizar a Internet para fazer uma espécie de colagem de informação, não sabem ler. Não sabem percorrer um texto para extrair aquilo que precisam, repensá-lo, dizê-lo com as suas próprias palavras, comentá-lo, associá-lo ou resumi-lo – e sobretudo, memorizá-lo -, actividades que fazem parte da leitura enquanto acto criativo. Estão habituados à ideia de que, como isso está lá e está acessível, já é deles. Não é assim.
Isso não é mais a culpa da escola do que da Internet?
A escola não tem culpa, é a nossa sociedade que é culpada. A escola, a universidade, deveriam ser o lugar onde a imaginação tem campo livre, onde se aprende a pensar, a reflectir, sem qualquer meta. Mas isso é algo que estamos a eliminar em todo o mundo. Estamos a transformar os centros de ensino em centros de treino. Estamos a criar escravos. Somos a primeira sociedade que entrega os seus filhos à escravidão, sem qualquer sentimento de culpa. Nesses centros de aprendizagem, estamos a criar seres humanos que não confiam nas suas próprias capacidades e que começam a acreditar que o seu único objectivo na vida é arranjar trabalho para conseguir sobreviver até chegar à reforma – que também já lhes estão a tirar. O que estamos a fazer é horrível. Não tem nada a ver com os valores da Internet, com a competência do professor, faz tudo parte de um conjunto. Somos culpados enquanto sociedade.
Você é um leitor que escreve livros? É mais leitor do que escritor? Não devia, pelo contrário, ser mais escritor do que leitor, depois tantos livros escritos?
Eu comecei por ser leitor. No queria escrever. Depois, tornei-me um leitor que escrevia livros. Mas quando comecei a escrever ficção – um romance intitulado “Notícias del Extranjero” [vai em breve ser editado em Portugal pela Teorema sob o título "Novas chegaram de outro país"] -, a situação mudou. É que, para escrever ficção – embora continuemos a escrever com esse fundo que acumulámos como leitor, com a visão do mundo que nos dão as nossas leituras – e criar um mundo fictício, temos de nos retirar da nossa biblioteca e passar a trabalhar sozinhos.
Não podemos escrever romances a partir de outros romances, porque acabaríamos por parodiar os romances que nos inspiraram. Enquanto o escritor de ensaios trabalha a partir de informação recebida e de uma reflexão acerca dessa informação, o escritor de ficção tem de estar só, num espaço em que se torne possível inventar o mundo praticamente de raiz – as personagens, o espaço, a história. No início, essa ideia metia-me muito medo; agora, é o que mais gosto de fazer.
Acho que a ficção é um instrumento excelente para dar forma a certas perguntas. O ensaio é útil, claro, mas é por vezes demasiado preciso. A ficção permite uma ambiguidade que pode ser mais útil para determinadas perguntas muito complexas. Por exemplo, o tema que me persegue desde o início é a relação entre verdade e ficção, mentira e ficção, mentira e verdade.
Um dia percebi que, desde as minhas primeiras leituras, o que me interessava era saber como distinguimos uma experiência que nos traduz o mundo de uma experiência que atraiçoa o mundo. Como distinguimos a ficção da mentira, a ficção da verdade? Não penso que nos seja possível termos uma visão verdadeira, total, do mundo. Acho que podemos ter acesso a um certo ponto de vista – e é esse ponto de vista que vai sendo definido através das histórias que contamos.
E isso tem a ver com a escrita ficcional?
Sim. Quando temos uma experiência do mundo, o nosso impulso é transpô-la em palavras para a perceber. Por vezes, encontramos nos escritos que lemos as palavras que nos parecem justas. Mas, doutras vezes, queremos ser nós próprios a nomear essa experiência. O problema é que, ao mesmo tempo, sabemos que a linguagem é imprecisa, que nunca chega para definir sequer as coisas mais simples. Então recorremos não apenas à linguagem, mas também à história que contamos através da linguagem. E assim, através dessa experiência que inventamos, criamos uma espécie de espelho da experiência que queremos contar. Por exemplo, todos temos medo do desconhecido. Temos medo do que pode ser falso, da aparência das coisas. Mas como explicar esse medo? Inventando o conto do Capuchinho Vermelho. Dessa forma, sem necessariamente nomear esse medo, o conto transmite-no-lo através de uma experiência que sabemos ser fictícia, mas que no entanto conseguimos viver através da linguagem.
O seu amor pelas bibliotecas vem de onde? Da sua juventude, quando lia para Borges (que era uma espécie de biblioteca ambulante e anotada), da biblioteca da casa do seu pai em Buenos Aires, onde se escondia para ler?
Não. A minha relação começou quando tinha três, quatro anos. Por um lado, é uma relação fetichista – o objecto- livro apaixona-me – e por outro, é uma relação de conhecimento. O conhecimento do mundo vem-me, em primeiro lugar, dos livros.
Para Borges, o conhecimento do mundo também passava pelos livros, mas ele não tinha qualquer relação fetichista com os livros. Não estava interessado em guardar livros – oferecia-os, tinha poucos livros. Eu ofereço muitos livros, mas compro livros para os oferecer. Por vezes, ofereço livros da minha biblioteca – mas o que nunca faço é emprestar livros, porque isso é um apelo ao roubo.
Disse que quando de leitor passou a escritor, teve de sair da sua biblioteca.
Não é bem isso, uma vez que escrevo na minha biblioteca. Há uma secção, com dois andares, onde também há livros, mas onde tenho o meu escritório, com os meus objectos dispostos de uma certa maneira. Sou muito picuinhas nesse sentido. O que quis dizer é que, quando escrevo, preciso de esquecer-me daquilo que li. Posso ler certos livros; há autores que não me contagiam. Mas há outros que não posso ler de forma alguma – Borges, Calvino, Chesterton – porque são como aquelas melodias que nos ficam na cabeça e que passamos o dia a cantarolar. Tento ler textos mais neutros.
Mais distantes dos temas sobre os quais está a escrever?
Não necessariamente, apenas os que têm uma voz menos imponente. Há grandes escritores cuja voz é muito mais suave. Autores como Conrad, por exemplo, de quem gosto muito, ou Bioy Casares, cuja voz não é contagiosa.
A sua biblioteca parece ela própria como uma personagem de romance: imponente, secreta, maravilhosa. Contém 40 mil livros e está instalada num presbitério.
Sim. O presbitério, que era a casa do padre, está colado à igreja [da aldeia]. E tem um enorme jardim, onde havia um estábulo de pedra que tinha sido demolido há três séculos. Nós reconstruímo-lo e foi aí que instalei a biblioteca.
É caótica ou organizada?
É muito organizada. Sei onde está cada livro. A ordem principal é a da língua em que o livro foi escrito. Há uma secção de inglês, de castelhano, de italiano… E dentro dessa ordem, a ordem alfabética. Mas depois há muitas excepções, com secções sobre a Bíblia, sobre mitologia, lendas do Judeu Errante, cozinha, romances policiais…
Não sente frustração quando pensa que há jóias literárias que lhe passam ao lado?
Não. Quando era adolescente, angustiava-me pensar que nunca iria poder ter nem ler todos os livros que queria. Mas essa angústia passa-nos e transforma-se numa espécie de alívio [ri-se]. É óbvio que não vou ler tudo o que é publicado, é óbvio que nem vou ter conhecimento de tudo aquilo que é publicado. Aliás, prefiro concentrar-me em certos livros.
O tipo de leitura que pratico agora, nesta idade – embora continue a ler algumas coisas novas – é a releitura. Por exemplo, há já mais de dois anos que leio um canto de Dante todas as manhãs, antes de tomar o pequeno almoço [ri-se] – com um comentário diferente, tomando notas.
Já completei esse percurso umas dez vezes. É um tipo de leitura que faço por prazer – e que me parece infinito. Nunca vou conseguir saber o suficiente acerca da “Divina Comédia”, mas felizmente, já não tenho aquela angústia. É como pensar em sítios que nunca visitarei, pessoas que nunca conhecerei. Que alívio! [ri-se]
Lê sobretudo ficção, ou também não ficção?
Leio principalmente ensaios – porque escrevo ensaios e portanto certos temas me interessam em particular. Também leio ficção, mas acho que, aí, preciso de uma certa distância cronológica, de sentir-me numa geração muito posterior ao texto. É-me difícil ler os meus contemporâneos. Há alguns autores actuais de quem gosto muito – entre os argentinos, Eduardo Berti, Edgardo Cozarinsky; em França, Pascal Quignard, Jean Echenoz; na Alemanha, Daniel Kehlmann; entre os americanos Cynthia Ozick (gosto mesmo muito dela), Richard Ford. Mas não gosto de nenhum escritor daquela geração [norte-americana] de [Jonathan] Franzen, [Dave] Eggers. Parecem-me todos saídos da mesma máquina, com romancezitos bem montados que soam modernos e que toda a gente terá esquecido daqui a 10 ou 20 anos.
E os romances policiais, a ficção científica?
Gosto imenso. A ficção científica – e eu diria que o romance policial também – já não são os romances de género que foram no passado. Os escritores que acabei de nomear escrevem romances policiais; [Margaret] Atwood escreve ficção científica, Doris Lessing também.
Há umas gerações uma pessoa não erudita, mas culta, tinha a obrigação de ter lido certos livros. Hoje, essa ideia parece ter sido esquecida.
A questão é que deixámos cair a noção de “ser culto”. Agora, não passa pela cabeça de ninguém dizer que uma pessoa é culta ou não é culta. Como já disse, há uma perda de prestígio do acto intelectual. Hoje, uma pessoa pode admitir que é estúpida, que passa o seu tempo a jogar jogos de vídeo ou que só se interessa pela moda. Não vai chocar ninguém. Antes, tínhamos vergonha de dizer coisas dessas, mas hoje é espantoso ver o número de pessoas adultas que jogam jogos totalmente imbecis.
Há leitores que só querem ler coisas novas.
Mas essa é a tal política do supermercado. Não vamos ao supermercado comprar um produto do ano passado, mas coisas que ainda não passaram do prazo. É o mesmo com os livros: agora, têm um prazo de caducidade. Passadas três semanas, o que não foi vendido desaparece. É uma política muito perigosa.
Mas ler os clássicos na escola continua a fazer sentido. “Os Lusíadas” de Camões, por exemplo.
Claro que continua. Os grandes clássicos não foram escolhidos por ninguém; não há um comité que decide que Homero é importante. O que houve foram cem gerações de leitores que disseram que esse livro é importante. É isso que define o clássico, é a obra que não se esgota junto dos seus leitores. E isso continua a ser importante, embora muitos leitores – e muita gente – não o reconheçam. As crianças têm uma imaginação activa, uma inteligência activa. Querem aprender a pensar. Na Idade Média, amarrava-se as crianças ao berço para as imobilizar. Hoje, amarramos a mente das crianças exactamente da mesma forma. Se me confiarem uma turma de crianças, comprometo-me a fazer com que elas leiam Camões com muitíssimo entusiasmo. É preciso dizer-lhes que são inteligentes e que vão conseguir ler essa obra. As crianças adoram palavras complicadas, termos difíceis, histórias onde não se percebe tudo. Mas a indústria não quer isso, quer tornar as coisas mais simples – e então fazem resumos, simplificam, publicam coisas idiotas para crianças e acabam por não publicar nada. Apenas jogos de vídeo.
A nova geração continua a ter gosto pela leitura. Para o ser humano, o instinto de sobrevivência não se resume à necessidade de comer e beber; também inclui a necessidade de pensar. E isso é verdade seja onde for – aconteceu nos campos de concentração, acontece nas favelas mais pobres, acontece nas situações mais extremas. Continuamos a pensar, a criar, a interrogarmo-nos. E temos de lutar por isso. Não somos cegos; podemos dizer que não.
Diz que se sente mais canadiano do que outra coisa. Porquê?
Ser canadiano foi uma escolha. Cheguei ao Canadá sem saber o que era o Canadá. Fui lá porque um dos meu livros foi publicado lá e teve muito êxito. Podia ter sido na China. Ora, no fundo, eu nunca tinha realmente vivido numa democracia. E de repente cheguei a um país onde votar tinha significado, onde a voz de um indivíduo na sociedade tinha significado, onde existia uma responsabilidade cívica. Queria pertencer a esse país!
Para mais, cheguei lá em finais dos anos 1970, inícios dos anos 1980, no meio de um verdadeiro boom cultural. Queriam criar uma cultura canadiana, que até lá tinha sido inglesa, britânica ou americana. Por isso, se uma pessoa quisesse montar uma peça de teatro, fazer um filme, escrever um livro, não havia qualquer problema. Foi assim que, eu, um estrangeiro, comecei a fazer rádio, televisão, todo o tipo de coisas. Isso nunca me tinha acontecido nem nunca me aconteceu depois em mais sítio algum.
Não acredito nas nacionalidades impostas. O facto de nascer num sítio é um puro acaso, não define nada. Enfim, se nos criarmos lá, se estudarmos lá, então sim. No meu caso, a Argentina foi importante por causa de minha educação secundária. Fui aluno do Colégio Nacional de Buenos Aires [liceu que depende da Universidade de Buenos Aires] e isso definiu-me. É uma parte de mim próprio que aceito. Mas o Canadá foi uma escolha. Por isso, continuo a declarar-me canadiano – apesar de haver lá agora um governo de direita imundo.
A leitura e a escrita vão desaparecer? Há quem pense que vamos regressar a uma espécie de tradição oral high-tech graças a computadores capazes de comunicar através da fala.
A tradição oral não tem nada de mau. O problema é quando a tradição não é oral, mas feita apenas de conversas que nunca chegam a ter lugar. Já eliminámos até os locais onde conversar. Ainda há alguns cafés, mas todos têm televisão, música. E mesmo esses estão a desaparecer.
Nós também iremos provavelmente desaparecer. Mas se sobrevivermos como seres humanos – o que não é seguro – fá-lo-emos com a linguagem escrita, com a linguagem falada e com a linguagem lida. Vamos sobreviver com os nossos livros. Se desaparecermos, os livros também desaparecerão. E no fundo, isso talvez seja uma coisa óptima para o planeta – para as árvores, para as formigas, para os ursos polares…


02.07.2010
Por: Ana Gerschenfeld

in: http://novaziodaonda.wordpress.com/2010/07/15/alberto-manguel-estamos-a-destruir-o-valor-do-acto-intelectual/

através de: https://www.facebook.com/pages/L%C3%ADngua-Morta/355179134497902

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Eduardo Lourenço é o Prémio Pessoa 2011



Público - 16.12.2011 -  Por Ana Dias Cordeiro

O filósofo e ensaísta Eduardo Lourenço foi hoje distinguido com o Prémio Pessoa que desde 1987 premeia figuras com um papel relevante no ano anterior nas áreas da cultura e da ciência.

O anúncio foi feito, como habitualmente, no Palácio de Seteais em Sintra por Francisco Pinto Balsemão, que preside ao júri também constituído por Fernando Faria de Oliveira (Vice-Presidente), António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, João Lobo Antunes, José Luís Porfírio, Maria de Sousa, Mário Soares, Miguel Veiga e Rui Magalhães Baião.

"Num momento crítico da História e da sociedade portuguesa, torna-se imperioso e urgente prestar reconhecimento ao exemplo de uma personalidade intelectual, cultural, ética e cívica que marcou o século XX português", escreveu o júri em comunicado sobre a escolha de Eduardo Lourenço, homenageando "a generosidade e a modéstia desta sabedoria, que tendo deixado uma marca universal nos Estudos Portugueses e nos Estudos Pessoanos, nunca desdenhou a heteredoxia nem as grandes questões do nosso tempo e da nossa identidade".


Continua AQUI

domingo, 4 de dezembro de 2011

Life Without Lights


http://lifewithoutlights.com/#

http://blog.lifewithoutlights.com/

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Novo Acordo Ortográfico

"A presente resolução do Conselho de Ministros determina a aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa no sistema educativo no ano lectivo de 2011 -2012 e, a partir de 1 de Janeiro de 2012, ao Governo e a todos os serviços, organismos e entidades na dependência do Governo, bem como à publicação do Diário da República."
 

AQUI

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Mario Benedetti (1920-2009)



Cálculo de probabilidades


Cada vez que un dueño de la tierra
proclama
para quitarme este patrimonio
tendrán que pasar
sobre mi cadáver
debería tener en cuenta
que a veces
pasan.

Mario Benedetti


Tempo Sem Tempo


Preciso tempo necessito esse tempo
que outros deixam abandonado
por que lhes sobra ou já não sabem
o que fazer com ele


tempo
em branco
em vermelho
em verde
até castanho-escuro
não me importa a cor
cândido tempo
que eu possa abrir
e fechar
como uma porta


tempo para olhar uma árvore um farol
para andar pelo fio do descanso
para pensar que bom hoje não é inverno
para morrer um pouco
e nascer em seguida
e para me dar conta
e para me dar corda
preciso tempo o necessário para
chafurdar umas horas na vida
e para investigar por que estou triste
e acostumar-me ao meu esqueleto antigo


tempo para esconder-me no canto de algum galo
e para reaparecer em um relincho
e para estar em dia
e para estar na noite
tempo sem recato e sem relógio


vale dizer preciso
ou seja necessito
digamos me faz falta
tempo sem tempo

Mario Benedetti


(agradeço a indicação a MM)

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Intervalo para a bica...

A BIZARRA HISTÓRIA DA INTERVENÇÃO NA LÍBIA


Por muito esforço que faça para compreender o que justificou a política da UE e dos EUA, em relação à Líbia não a consigo entender. A não ser pela universal explicação que os marxistas-leninistas reciclados e os altermundialistas costumam dar - o "imperialismo" queria o controlo do petróleo líbio, o mais barato de obter pela força nestes dias da crise - não se vê o que explica a guerra contra Khadafi. Parecendo-me por regra esta "explicação" pouco explicativa, chamemos-lhe assim, pelo menos tem a vantagem de fornecer uma interpretação dos eventos que, à míngua de qualquer outra, ganha algum peso.


O que aconteceu no último ano no mundo muçulmano, os eventos na Tunísia, Egipto, Bahrein, Iémen e Síria, só para citar os casos mais relevantes, está longe de ser esclarecido e muito menos de ser conhecido. Com a grande apetência para a ilusão exótica e a vontade de wishful thinking que têm os media ocidentais, divulgou-se uma interpretação dos eventos feita à medida mais das esperanças ocidentais do que das realidades locais. A "revolução democrática" personificada na Praça Tahrir foi saudada como sinal de que a "rua árabe", mais o Facebook, mais meia dúzia de blogues (alguns que hoje se sabe serem falsos como A Rapariga Lésbica de Damasco feita por um homem barbudo que vive na Escócia), tinham varrido as tentações fundamentalistas da Al-Qaeda e mostrado um amor à democracia onde menos se esperava que ele existisse.

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